27.11.08

Pinhole "Live View"

O sistema "Live View" na fotografia digital é uma herança do vídeo. Trata-se da possibilidade de vermos o assunto a fotografar num ecrã LCD, em tempo real, antes de efectuarmos a imagem fotográfica. Se o "Live View" é uma característica nativa nas câmaras fotográficas compactas e "Bridge", a sua chegada às câmaras reflex digitais (DSLR) é uma novidade de 2007 e em vias de democratização.
Na Fotografia Pinhole também existe a possibilidade "Live View", embora em moldes analógicos e artesanais, naturalmente.
O sistema "Live View" estenopeico é uma herança das cameras obscuras de desenho do século XVIII, em que os artistas podiam desenhar com rigor fotográfico imagens captadas através da câmara escura e projectadas num ecrã opalino.


- Vista frontal de uma câmara pinhole, cujo elemento metálico apresenta dois furos: um maior concebido para o sistema "Live View", e outro mais pequeno optimizado para a realização de fotografias.


- Detalhe da chapa frontal com os dois estenopos, em que o diâmetro do furo maior é sensivelmente o dobro do diâmetro do furo menor.


- Vista traseira da câmara pinhole "Live View", onde se pode ver a moldura de cartão contendo o ecrã de projecção opalino e uma flanela preta que, colocada à volta da cabeça quando se espreita, serve para escurecer o ambiente dentro da caixa em modo "Live View". Este ecrã é feito de papel vegetal - suficientemente opaco para se poder projectar uma imagem, e suficientemente translúcido para se poder ver essa projecção do lado de trás. A moldura está encostada a quatro batentes de madeira, no interior da caixa, que afastam o ecrã cerca de 50 mm da chapa com os estenopos (linha amarela observável na imagem frontal da câmara).
Esta moldura abre-se e fecha-se com a ajuda de fita-cola. Deste modo pode substituir-se o papel vegetal por papel fotográfico para realizar fotografias, e uma vez que esta câmara não tem tampa, usa-se o pano preto para isolar o interior da luz, introduzindo-o completamente na abertura traseira da caixa.



Imagem estenopeica "Live View" obtida com o furo maior.


Imagem estenopeica "Live View" obtida com o furo mais pequeno.


Fotografia pinhole obtida com o furo maior.


Detalhe da imagem anterior.


Fotografia pinhole obtida com o furo mais pequeno.


Detalhe da imagem anterior.

imagens: Rui Cambraia

22.11.08

O futuro não será só analógico...

Lugar às estatísticas:

Em França vender-se-ão este ano 5 milhões de câmaras fotográficas digitais, sendo que 90% são câmaras compactas e "bridges".
As vendas de impressoras baixaram 18% e dão lugar às molduras digitais cuja procura subiu 70% (trata-se de um mercado novo, com cerca de dois anos de consistência). Em contra-partida, os franceses continuam a imprimir fotografias nas lojas, através de unidades automáticas de impressão, ou através da internet: cerca de 2,7 biliões de tiragens 10x15...!
As vendas de reflex digitais subiram 18%, sendo que 80% destas são de entrada de gama - abaixo dos mil Euros. Ao todo vender-se-ão cerca de 260 mil câmaras reflex digitais em 2008. A crise económica não atingiu a Fotografia.

Não se podem estabelecer comparações directas de país para país, e por isso estas estatísticas francesas não nos ajudarão a prever com segurança o que se passará em Portugal - mas constituem, ainda assim, indicadores de tendências. A estes dados é necessário justapor a tendência (precisamente) para o regresso à utilização de câmaras analógicas, associado à digitalização de alta qualidade de películas para suporte digital, que surgiu comercialmente nos Estados Unidos da América.
Em Portugal a tendência, até agora, é inversa às anteriormente explicitadas, e vai no sentido da absoluta irradicação da fotografia analógica do mercado e do fim das tiragens em papel. Ainda assim, surgiram no mercado algumas lojas a prestar o serviço de digitalização de negativos ou slides para CD, na tentativa de reanimar a utilização das câmaras analógicas que as pessoas ainda têm em casa, e a recuperação de películas antigas. Contudo, na generalidade dos casos, estes serviços estão sujeitos a uma enorme especulação de preços e a uma péssima qualidade técnica do serviço, que acabarão por ter o efeito absolutamente contrário ao esperado.



Em todo o caso, nunca, desde há 169 anos, a fotografia esteve tão democratizada e implementada nos hábito sociais: se considerarmos nesta perspectiva os telemóveis com câmaras fotográficas, podemos certamente determinar que, pelo menos nas grandes cidades e zonas urbanas, cada família terá uma câmara fotográfica em casa.
Imagine-se agora como seria o mundo, se cada utilizador de uma destas câmaras fotográficas soubesse servir-se dela de forma consistente - técnica, formal e esteticamente...!?
Nesse sentido, há tanto por fazer que o investimento formativo na área da fotografia se afigura um mercado florescente e revestido de sentido... mas será mesmo!?

Fonte: Chasseur d'Image, #309 - Décembre 2008

imagem: Rui Cambraia
(Nikon F, Nikon D40, Fuji Instax 200, Zero Image 2000)

21.11.08

Pinhole vs. câmara analógica

Praça do Município, Portalegre


Nikon F, Tamron SP 17 mm, Rollei Retro 400.


Câmara pinhole artesanal.

A gama de objectivas SP da Tamron é de muito boa qualidade: esta 17 mm, em particular, sendo uma super grande-angular, tem correcção das linhas verticais e reduzido efeito de barril. Usada em câmaras de película não produz aberrações cromáticas e realiza imagens bastante nítidas.
A grande diferença entre as imagens realizadas com a Nikon F e com a câmara pinhole artesanal é na latitude de exposição e, consequentemente, na gama de tons cinzentos entre os pretos e os brancos, muito inferior na imagem estenopeica.

Detalhe do fotograma impresso em papel Ilford RC (original: 18 x 24 cm).

Detalhe do positivo digital da fotografia pinhole (original: 18 x 24 cm).

A nitidez - o recorte - é também inferior na fotografia pinhole, e mais seria se o furo não estivesse perfeitamente optimizado para a dimensão da caixa de madeira utilizada, mas isso não é um factor muito determinante para a apreciação global da imagem: tendo uma exposição calibrada para as luzes médias e baixas, é mais luminosa e aberta. O efeito de barril deve-se ao facto de que o papel estava curvado dentro da caixa.
Na verdade, se não fosse pelo efeito típico de forte vinhetagem (o escurecimento dos cantos da imagem) acreditamos que muitas pessoas pensariam estar perante uma fotografia realizada com uma objectiva de 20 mm, de média ou baixa gama a plena abertura do diafragma, e não perante uma imagem realizada com uma caixa de madeira onde a luz entrou por um furo feito numa chapa metálica...!
Mas atenção: não é uma finalidade da fotografia pinhole rivalizar com a fotografia tradicional e suas objectivas; o presente comparativo refere uma possibilidade entre muitas outras que a fotografia estenopeica nos oferece, mas nem sequer é das mais interessantes - vale o que vale, como curiosidade.

imagens: Rui Cambraia

16.11.08

Pinhole e natureza


Calçada medieval, câmara pinhole artesanal, 50'' de exposição.

Fotografar espaços urbanos, controlando a luz reflectida pelas fachadas dos edifícios, as altas e as baixas luzes com fortes contrastes de intensidade, é totalmente diferente de fotografar na natureza. Os tons "pastel" e as superfícies sem brilho que caracterizam a generalidade das plantas (arbustos, árvores) e das rochas, constituem uma armadilha para a avaliação fotométrica do nosso olhar. As árvores, por estarem num plano mais elevado que nós, são fotografadas quase sempre em contra-luz, criando largas manchas escuras na imagem sem qualquer informação visual.
A fotografia estenopeica de natureza precisa (pelo menos) três vezes mais tempo de exposição que a fotografia urbana, em particular se pensarmos que a melhor altura do dia para fotografar a natureza é quando o Sol está mais baixo - onde o recorte das formas e a distinção das cores (mesmo a preto e branco) são mais evidentes.

imagem: Rui Cambraia

14.11.08

Pinhole sem rede II


Penha, Portalegre
, câmara pinhole
artesanal, 30'' de exposição.

As câmaras artesanais andam sempre carregadas com papel fotográfico. Mesmo no fim-de-semana, sem acesso ao laboratório fotográfico, as câmaras acompanham-nos nos passeios para onde quer que seja, na condição de serem utilizadas. As imagens serão reveladas na primeira oportunidade da semana seguinte...!
O retorno à fotografia analógica traz consigo um fenómeno interessante: aquilo que outrora foi considerado (ou vivido como) um aspecto condicionante e desagradável, que é a impossibilidade de se ver a fotografia imediatamente - de ser necessário esperar horas ou dias para se receber as imagens -, é agora um prazer. A expectativa de ver a fotografia constitui hoje uma vertente lúdica associada à actividade fotográfica analógica, e especialmente à fotografia pinhole.



imagens: Rui Cambraia

6.11.08

Pinhole e nitidez

... muito cedo pela manhã, a caminho do trabalho...


Alagoa, câmara pinhole
artesanal, 60'' de exposição.

A fotografia pinhole, pelas características técnicas e estéticas de que se reveste, não obedece a qualquer estilo ou modelo formal de imagem. A nitidez, que Cartier-Bresson caracterizou como um "gosto desmedido" que traduz a ideia limitada que algumas pessoas têm da técnica fotográfica (1), por exemplo, não constitui um imperativo na fotografia estenopeica. Pelo contrário, sendo as longas exposições um factor técnico incontornável, a nitidez é precisamente o aspecto que mais sofre com isso, ainda que tal dependa profundamente da maior ou menor optimização do estenopo (do furo) em relação à "distância focal".
Este é um dos aspectos em que a fotografia pinhole faz toda a diferença relativamente a outras técnicas fotográficas, tirando partido do movimento e das exposições longas para recriar uma percepção do espaço e do tempo absolutamente singulares - como aquela do primeiro impacto da rua, quando saímos de casa pela manhã num dia de sol...

(1) Henry Cartier-Bresson, O instante decisivo in O imaginário segundo a natureza, Ed. Gustavo Gili, Barcelona.

imagem: Rui Cambraia

5.11.08

Pinhole sem rede

Uma câmara pinhole artesanal carregada com papel fotográfico, só realiza uma imagem de cada vez. Por essa razão, a generalidade dos praticantes de fotografia estenopeica só criam as suas imagens nas proximidades de um laboratório fotográfico. Isso permite-lhes realizar um maior número de imagens em cada sessão, e em caso de erro pode-se tentar de novo imediatamente.


S. Mamede, câmara pinhole artesanal, 50 '' de exposição.

Nesse sentido, viajarmos 11 km com uma câmara pinhole carregada dentro do carro, é o equivalente a uma pequena aventura fotográfica. A auto-responsabilização é maior; a atenção aos detalhes técnicos; a escolha precisa do melhor ponto de vista... tudo isso constitui uma experiência fotográfica mais rica, e se os resultados forem bons, tudo resultará numa vivência muito gratificante. Contudo, se o resultado não for do nosso agrado também pode ser um pouco mais frustrante do que o habitual. Como em tantas coisas na vida, é preciso arriscar para petiscar.
Na fotografia acima, o resultado, não sendo mau, também não é totalmente satisfatório, uma vez que o objectivo era registar uma imagem do marco geodésico e da sua implantação no afloramento rochoso. Infelizmente a pontinha do marco ficou cortada, comprometendo assim o trabalho realizado...
Teremos de lá voltar para repetir a imagem... o que neste caso é óptimo, porque a Serra de S. Mamede é um lugar privilegiado em múltiplos aspectos. Ir lá, seja com que pretexto for (e se for para fotografar) é sempre um tempo bem empregue.

imagem: Rui Cambraia

4.11.08

Cidade sem carros

Uma cidade sem carros é uma visão extraordinária.
Os automóveis formam uma cortina, em parte estática e noutra parte em movimento, que nos impede de apreendermos a totalidade do espaço e dos volumes imóveis que nele se estruturam.
É uma revelação. Desvela-se uma certa harmonia, mesmo onde há desarmonia, porque se desvela um conjunto vivo de coisas que nasceram de outras coisas, um cenário habitado, ou desabitado, mas sempre uma paisagem...
Os automóveis são parasitas. Pólenes, fagulhas, sujidade ou poluição. Nunca geram harmonia excepto na cabeça de algumas pessoas.

Praça do Município, câmara pinhole artesanal, 60'' de exposição.

A fotografia pinhole tem uma particularidade: as coisas em movimento raramente ficam registadas na imagem - pessoas, automóveis. Se não fossem os carros estacionados, a fotografia pinhole conseguiria representar o espaço, a paisagem urbana, como se nada mais existisse no interior desse espaço ou dessa paisagem.
Na imagem acima não há carros na realidade (nem estacionados) porque, por ocasião de uma visita oficial a Portalegre, a polícia vedou este local ao trânsito. Uma oportunidade única para admirar a Praça do Município tal como seria no tempo das carroças, sem carroças...

imagem: Rui Cambraia