20.10.08

Fotografia sem mise en scène


Castelo de Vide, Nikon F pinhole, película PB 400 ASA, 1/15 seg.

Este artigo é um excerto.
Ler o texto na totalidade no fim do artigo.

A fotografia pinhole reduz a encenação fotográfica ao essencial, ao mínimo sem o qual não haveria fotografia de todo.
Caracteriza-se pela realização de imagens fotográficas sem a utilização de lentes. A luz entra numa câmara escura por um pequeno furo (o pinhole) que, por essa razão, tem a faculdade de formar uma imagem no interior da câmara.
A existência de um ponto de vista é incontornável e inerente à existência física da própria câmara, ou seja, se ela existe tem que estar em algum lugar. Mas o enquadramento é sempre uma surpresa, porque a generalidade das câmaras estenopeicas não possuem visor. Aponta-se a câmara na direcção do assunto, e realiza-se a exposição sem nunca se perder a percepção completa do contexto real onde a imagem será forjada.
Não há diafragma nem obturador, e aquilo que determina o tempo de exposição da imagem é uma fita-cola negra ou mesmo o próprio dedo que tapa e destapa o furo. Há uma dimensão mais humana (corpórea) na realização de imagens pinhole artesanais, e que não se esgota no sistema de obturação.
Tradicionalmente, a duração da exposição é determinada por tentativa e erro, pois mesmo que se recorresse a um fotómetro, a indeterminação do diâmetro do furo, e o alto valor f forçosamente implicado, impossibilitam a determinação do tempo de exposição dessa forma. O fotómetro de uma câmara fotográfica pinhole tradicional, é, como outrora, os olhos e a sensibilidade do fotógrafo. O estabelecimento de uma relação íntima entre o fotógrafo e a luz é outro aspecto envolvido nesta técnica fotográfica, que os equipamentos modernos, pelo nível avançado de sofisticação e democratização, deixaram, em parte, desaparecer.
Mas é ao nível da nossa percepção do “tempo” que a fotografia pinhole coloca em causa os conceitos de temporalidade envolvidos na fotografia. Mesmo com películas mais sensíveis (sobretudo com papel fotográfico) os tempos de exposição não são superiores a 1/15 segundo. Ou seja, uma fotografia pinhole nunca é um instantâneo.
Não sendo um instantâneo, em que posição temporal se coloca uma imagem que foi realizada durante, digamos, 10 segundos? Na verdade, esta imagem compreende uma extensão de tempo que vai de um presente imediatamente passado, até um presente de onde emerge aquilo que, no instante anterior, era ainda futuro e indeterminado. Nesse sentido, a fotografia pinhole regista a duração das coisas, o que confere a estas imagens um carácter profundo, a expressão de uma densidade existencial que só muito dificilmente podemos ter de outra forma: a da nossa extensão nas coisas e a extensão das coisas em nós, como um tecido feito de vida em contínuo.

Este artigo é um excerto.
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imagem: Rui Cambraia